No último dia 13 de abril o inesquecível espião James Bond completou 68 desde sua estreia, ou nascimento, no livro Cassino Royale de Ian Fleming publicado em 1953. Desde então o espião britânico saltou das páginas para dominar os cinemas com a franquia mais longeva e uma das mais lucrativas da história. Este ano, o vigésimo quinto filme da série cinematográfica, Sem Tempo para Morrer, chegará aos cinemas mundiais no dia 30 de setembro.
De fato, quando comparadas às versões literária (tomando como base o primeiro livro) e cinematográfica nota-se que Bond teve algumas adaptações quando transposto em 007 contra Dr. No (1963), principalmente na sua instabilidade emocional presente nos livros como um fator importante para ele e que no cinema é deixada de lado em prol de um realce da personalidade charmosa e conquistadora.
Porém, essa foi uma das poucas vezes no cinema em que uma decisão técnica envolvendo uma transposição de um material para uma nova mídia, diferente da original, redefiniu o personagem e, consequentemente, o tornou um ícone definidor para toda uma geração de homens em meados da década de 60. A ideia do herói másculo que encantava qualquer mulher na base da lábia não era nem de longe incomum.
Nomes como Humphrey Bogart, Clark Gable e Cary Grant carregaram nas décadas anteriores aos anos 60 a persona do “homem ideal” em seus respectivos filmes. Bogart havia alcançado o status de lenda na dobradinha entre 1941 e 1942 com os massivos sucessos Falcão Maltes e Casablanca no qual ele deu vida a um tipo de anti-herói bastante parecido em ambos os filmes. Pouco antes Gable arrancou suspiros de todos os cantos da Terra com seu cafajeste leal Rhett Butler em …E o Vento Levou.
Já Grant se popularizou com filmes de suspense em consequência à sua parceria com o diretor Alfred Hitchcock, que via no ator a habilidade de conceder um charme a um tipo muito específico de personagem com o qual ele montou sua carreira que é o “suspeito por acidente”. Dessa parceria nasceram dois grandes sucessos com Intriga Internacional de 1959 (que foi tratado na época como uma adaptação de James Bond sem James Bond) e Interlúdio de 1946.
Com James Bond a impressão no imaginário popular se deu por outro caminho, um que atingisse a sensação de reconhecimento do homem comum. Enquanto os astros anteriores deram vida a personagens claramente fictícios em cenários fictícios, Sean Connery (o primeiro Bond na série de filmes produzidos pela MGM) trouxe para o personagem, inglês de nascimento, seu sotaque e postura escoceses que eram muito mais próximos da classe trabalhadora que ia aos cinemas.
Na matéria para o The New York Times James Bond, Then to Now: Agent of Cultural Change assinada por Dinitia Smith parafraseia uma fala do professor de estudos de cinema da Universidade de Nova York, Toby Miller, sobre o que o ator acrescentou. “Sean Connery era o clássico escocês da classe operária. Ele é uma pessoa que, por causa de seu sotaque, toda vez que fala qualquer coisa cultivada sobre conhaque, está criticando os britânicos. Há uma dissonância entre seu sotaque e suas observações, e na Bretanha dos anos 60, essa era uma parte importante do seu apelo”.
Bond também tinha a vantagem de ser um fruto do cenário em que ele viveu, bem como do tempo. Ian Fleming originalmente concebeu Bond com base em suas experiências no setor de inteligência do exército britânico durante a Segunda Guerra, o autor sabia que após o conflito seria na espionagem global que os países iriam se confrontar. Com isso ele fez algo parecido com o que o também autor de espionagem John Le Carré havia feito na mesma época.
Apesar das licenças poéticas, seus personagens não existiriam em um mundo fictício ou em uma linha do tempo alternativa. Eles também não seriam figuras passivas nesse meio mas estariam na linha de frente da Guerra Fria, da mesma forma que o próprio Fleming esteve na linha de frente do último grande conflito mundial.
Essa linha de raciocínio é bem perceptível logo nas primeiras páginas de Cassino Royale; quando M passa a Bond a missão de humilhar o agente soviético Le Chifre, este que está enfrentando uma crise financeira e desviou fundos de um sindicato russo para pagar as dívidas, em um jogo de pôquer no mencionado cassino para que assim toda a operação controlada por ele na França fosse desmontada. Entra em cena o autor brincando com os escândalos de agentes comunistas que se viam “seduzidos” pelas enormes somas de dinheiro que lhes era confiada.
A capacidade de dialogar com o período em que vivia é talvez a característica de Bond que nunca foi abandonada; não importando a época todo filme expunha alguma tendência que estava em voga, tanto estética quanto social. Nas palavras do escritor Anthony Burgess no prefácio James Bond: A Qualidade da Imortalidade: “os atores que o personificam nos filmes ficam velhos e têm que ser substituídos por homens mais jovens, e há uma tentativa incansável de fazer com os temas e os ambientes dos filmes não sejam apenas atuais, mas até um pouco além do presente… Bond pertence à história, e essas novelas são históricas”.