A anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos processos da operação Lava Jato causou enorme frisson no cenário político brasileiro. Lula recobrou seus direitos políticos e está elegível para o pleito de 2022.
O movimento que colocou o petista de volta no páreo também abriu o caminho para que novos processos contra ele tramitem com rapidez. Todavia, é improvável que o ex-presidente seja novamente impedido de estar nas urnas, apontam especialistas ouvidos pela DW Brasil.
Segundo haviam sinalizado ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), era esperado que o ex-presidente recuperasse os direitos políticos ainda neste semestre, quando deveria ser concluído o julgamento sobre a suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos casos em que condenou o ex-presidente.
Porém, nesta segunda-feira (8), o ministro do STF Edson Fachin surpreendeu os colegas de toga e declarou a 13ª Vara Federal de Curitiba incompetente para julgar as acusações contra Lula. A decisão monocrática atendeu a um pedido de habeas corpus apresentado pela defesa do petista em novembro do ano passado.
Ao adotar esse entendimento, o ministro também declarou “perda do objeto” de 14 processos que questionavam, no Supremo, se Sergio Moro agiu com parcialidade ao condenar Lula. Dessa forma, encaminhou o arquivamento dos pedidos.
Descartada a suspeição, as provas produzidas sob a supervisão do ex-juiz — ou mesmo com sua participação, como apontaram as revelações da “Vaza Jato” — podem ser aproveitadas pelo tribunal do Distrito Federal (DF) que irá julgar as denúncias contra Lula.
Um sorteio entre as duas varas especializadas em lavagem de dinheiro sediadas em Brasília, a 10ª e a 12ª, irá definir o novo juiz que receberá as ações da Lava Jato contra o petista. A possibilidade de utilizar o material que Moro teve em mãos para condenar o ex-presidente pode ser decisiva para o futuro político de Lula. Mas apenas em um cenário muito pessimista para o ex-presidente.
Prescrição à vista
O código penal brasileiro determina que o tempo de prescrição para crimes cometidos por pessoas com mais de 70 anos é reduzido pela metade. Lula tem 75.
Embora esse período seja estipulado a partir da pena máxima do delito em questão, o Judiciário aplica usualmente a tese da prescrição pela pena em perspectiva, que determina o tempo de expiração em cima de uma punição mais realista, a qual costuma se distanciar do teto.
Considerando as sentenças proferidas por Sergio Moro, no caso do tríplex do Guarujá, e pela juíza Gabriel Hardt, no processo do sítio de Atibaia, todos os crimes atribuídos a Lula já teriam prescrito à luz dessa tese. Nesse cenário, o petista não poderia mais ser condenado pelas acusações pregressas.
No entanto, caso o tribunal do Distrito Federal adote uma interpretação mais inflexível a respeito do tempo de prescrição, pode considerar que os crimes ligados ao tríplex e a acusação de lavagem de dinheiro no caso de Atibaia só expiram em 2022.
Pode acontecer ainda de o magistrado determinar um tempo de prescrição maior que o limite por agravantes do caso. Esta foi a postura do juiz Luiz Antônio Bonat, da 13ª Vara de Curitiba, no caso de Paulo Vieira de Souza, operador financeiro do PSDB. Não se trata, contudo, de um entendimento dominante no Judiciário.
Fato é que o tempo do processo pode ser decisivo para que eventuais condenações do petista o tornem inelegível para as próximas eleições. Com as provas apresentadas em Curitiba nas mãos da acusação, o trâmite ganha celeridade incomparável a um recomeço “do zero”, com nova apresentação de provas.
Mesmo assim, a possibilidade de Lula ficar inelegível até as próximas eleições presidenciais é remota, segundo a professora de Direito Constitucional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eloísa Machado.
“O juiz precisa considerar, novamente, o recebimento ou não da denúncia. Há um novo julgamento, as etapas de defesa, um eventual recurso, uma condenação em segunda instância. É um longo caminho pela frente”, explica.
Efeito cascata na Lava Jato
Além do caso de Lula, o movimento do ministro Edson Fachin impactou os rumos de outros casos referentes à operação Lava Jato.
Caso Sergio Moro fosse considerado parcial pela Segunda Turma do STF, a consequente anulação das condenações do ex-presidente abriria margem para que outros processos conduzidos pelo ex-juiz tivessem o mesmo destino.
Tido como um dos principais apoiadores da Lava Jato de Curitiba no STF, Fachin teve sua decisão questionada por setores do meio jurídico e da política. Sua estratégia foi lida como uma “manobra” para blindar os demais processos ligados à operação.
Essa leitura é partilhada por Antonio Santoro, professor de Direito Processual Penal na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O jurista ressalta a preocupação do ministro em explicitar a perda de objeto dos pedidos de suspeição no texto da decisão.
“Soou como uma forma de proteger outras questões inerentes à Lava Jato. É uma decisão em que entregam-se os anéis, e ficam os dedos”, define. Apesar da avaliação crítica sobre a decisão de Fachin, Santoro reconhece que a decisão tem adequação técnica e está bem fundamentada.
PGR irá recorrer
Após manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) de que irá recorrer da anulação das condenações de Lula, Fachin afirmou que irá enviar o recurso ao plenário da corte. Não foi estipulada uma data para que isso aconteça.
Coordenadora do Supremo em Pauta, grupo de pesquisa da FGV Direito que se dedica a estudar o tribunal em profundidade, Eloísa Machado enxerga uma tendência de chancela da decisão monocrática do ministro.
“O plenário do STF é bastante dividido em relação aos abusos da operação Lava Jato, mas nossa impressão é que há maioria para estabelecer limites à operação. É muito difícil antecipar um julgamento. A gente pode esperar um tribunal dividido, mas com uma tendência para corroborar a decisão do Fachin”, projeta.
Embora o despacho de Fachin tenha encaminhado o arquivamento dos pedidos de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, os jornais Folha de S. Paulo e Valor Econômico destacam que ministros da Segunda Turma do STF pretendem manter a análise da suposta parcialidade nos casos que envolvem o ex-presidente.
Em nota divulgada após a decisão de Fachin, a defesa de Lula lembrou que reivindica a incompetência da 13ª Vara de Curitiba para julgar casos não relacionados à Petrobras, como o do petista, desde 2016. Os advogados ressaltaram que a anulação “não repara danos causados por Moro”.
Em meio a questionamentos quanto ao momento de sua decisão, Fachin alegou ser esta a “primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo STF”.