A polícia francesa realizou na segunda-feira, 14, uma operação de busca e apreensão no Institut hospitalo-universitaire (IHU) Méditerranée, hospital dirigido pelo médico e guru da cloroquina Didier Raoult. As informações são da rede francesa de rádio France Bleu.
De acordo com o veículo, a operação foi iniciada às 9h30 da manhã (horário local, 4h30 no Brasil). Dezenas de agentes foram mobilizados. A investigação está relacionada a um relatório de 2019 da agência anticorrupção francesa que analisa ligações financeiras entre o instituto público IRD e o hospital de Raoult. À mídia, o advogado de Raoult, Brice Grazzini, disse que, como diretor do hospital, seu cliente não está relacionado ao caso.
Raoult ficou conhecido no ano passado, após se tornar uma das vozes mais proeminentes a favor do uso da cloroquina no tratamento contra a covid-19. Por sua defesa do tratamento, que não tem eficácia comprovada, e declarações contra a indústria farmacêutica, a imprensa e a “elite de Paris”, Raoult acabou se tornando uma espécie de herói “antissistema” e angariou muitos seguidores.
Em abril do ano passado, ele chegou a receber uma visita do presidente francês Emmanuel Macron. Em setembro, foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (SPILF), que o acusa de uma “promoção indevida do medicamento”.
Didier Raoult e o “prêmio” Rusty Razor
O “prêmio” Rusty Razor, criado pela revista britânica “The Skeptic”, é uma sátira. O vencedor é considerado o pior promotor da pseudociência. Ou seja, o “prêmio” é dedicado a pessoas que propagam a desinformação – como é o caso do francês, que alegou ter provado a eficácia da cloroquina contra a covid-19.
Na ocasião da premiação, o editor da revista Skeptic, Michael Marshall, revelou que a publicação recebeu diversas indicações para o prêmio, entre eles Donald Trump e o presidente Jair Bolsonaro.
“É difícil achar um exemplo de charlatanismo que tenha se espalhado tanto, influenciando a resposta da saúde pública para uma pandemia e criando uma confusão ao redor de todo o globo”, declarou Marshall. “Pela promoção dele da hidroxicloroquina, e as falhas científicas que formaram a base dessa promoção, Raoult é um vencedor digno do prêmio Rusty Razor 2020 para a pseudociência.”
Um estudo publicado na revista Nature mostra que a cloroquina não tem qualquer efeito no tratamento da covid-19.
Na contramão, a revista Skeptic também elegeu a pessoa com o mais relevante ativismo científico em 2020. A vencedora foi a brasileira Natalia Pasternak, microbiologista e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). A publicação classificou que Natalia Pasternak teve um “incansável trabalho no Brasil durante a crise da covid-19”.
A cientista Natalia Pasternak, inclusive, durante seu depoimento a CPI da Pandemia no Senado, mostrou uma série de estudos científicos reconhecidos, de diversas partes do mundo, mostrando que a cloroquina e outros medicamentos do chamado “tratamento precoce” não funcionam contra a covid-19.
— A cloroquina, infelizmente, nunca teve plausibilidade biológica para funcionar. O caminho pelo qual ela bloqueia a entrada do vírus na célula só funciona in vitro, em tubo de ensaio, porque nas células do trato respiratório, o caminho é outro. Então ela já nunca poderia ter funcionado. Ela nunca funcionou para viroses. A cloroquina já foi testada e falhou pra várias doenças provocadas por vírus, como zika, dengue, chikungunya, o próprio Sars, Aids, ebola… Nunca funcionou — asseverou a cientista.
Pasternak acrescentou no telão outros estudos, detalhando como se deram as pesquisas sobre a cloroquina, devido à pressão política de alguns países em torno dela. Estas pesquisas demonstraram a impossibilidade de o medicamento ter eficácia contra a covid-19.
— A cloroquina já foi testada em tudo! Foi testada em animais, em humanos. Foi testada de todas as formas e não funcionou. Inclusive de ‘tratamento precoce’, que são os estudos de PEP e PrEP. PEP é a exposição profilática pós-exposição, ou seja, a pessoa foi exposta ao vírus e já começa o tratamento — não dá pra ser mais precoce do que isso. Não funcionou! Aí a gente teve os PrEP, que é profilático. ‘Vamos dar para profissionais de saúde’, porque eles são muito expostos: também não funcionou! Estamos há pelo menos 6 meses atrasados em relação ao resto do mundo, que já descartou a cloroquina — lamentou.