Elementos de diferentes investigações indicam que, no dia seguinte ao assassinato da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes, o miliciano Adriano da Nóbrega, o Capitão Adriano, convocou uma reunião com milicianos para tratar do crime. A reportagem é do portal UOL.
Antes de ser apontado como suspeito, o ex-PM —morto em uma operação policial em 2020— reuniu-se com milicianos e matadores em uma padaria de Rio das Pedras, onde chefiava uma milícia. Ao menos três pessoas citaram o encontro, segundo mostram investigações.
De acordo com duas testemunhas, o então chefe do Escritório do Crime, grupo de matadores de aluguel, queria saber se algum de seus aliados estava envolvido no crime.
Adriano foi investigado pelo MPRJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) e pela Polícia Civil por possível envolvimento na morte de Marielle, mas essa linha foi descartada.
A reunião surgiu em depoimento recente do miliciano Jorge Alberto Moreth, o Beto Bomba, à Polícia Civil. Para tentar descobrir a ligação de Ronnie Lessa, réu por assassinar Marielle, com o ex-vereador Cristiano Girão, o MPRJ retomou as investigações sobre um duplo homicídio em 2014.
Preso em 2019 por suspeita de chefiar a milícia no Rio das Pedras, Beto Bomba prestou um novo depoimento em maio deste ano, conforme revelam investigações.
A reportagem ainda informa que ele afirmou que “ficou sabendo” da reunião convocada por Adriano ocorrida no dia seguinte à morte de Marielle para apurar quem estaria envolvido no crime. É Beto Bomba quem cita o local onde aconteceu o encontro.
O miliciano já havia surgido em outra etapa do Caso Marielle. Conforme revelado pelo UOL, Beto Bomba afirmou, em conversa telefônica com o vereador Marcello Sicilliano (PHS), que o ex-deputado estadual Domingos Brazão é o mandante do crime —o político nega a acusação.
No novo depoimento, Bomba diz que tal conversa não foi forjada, mas que as informações não são verdadeiras —que ele apenas “juntou fatos ouvidos na imprensa”.
O depoimento do miliciano coincide com informação que consta em proposta de delação premiada da viúva de Adriano, Júlia Emílio Lotufo, ao MPRJ, revelada pela revista Veja.
Veja abaixo o que se sabe sobre o miliciano Adriano da Nóbrega:
- Quem era Adriano Magalhães da Nóbrega?
- Desde quando Adriano era investigado?
- Quando Adriano foi expulso da PM?
- Quando aconteceram as homenagens de Flávio Bolsonaro a Adriano?
- Qual a ligação de Adriano com Fabrício Queiroz?
- Qual a ligação de Adriano com o caso Marielle?
- Quando começaram as investigações sobre o esquema de ‘rachadinha’?
- O que é a Operação Intocáveis?
- Como e onde Adriano foi morto?
- Como a polícia chegou ao miliciano?
1. Quem era Adriano Magalhães da Nóbrega?
Ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais (Bope), a tropa de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, Adriano Magalhães da Nóbrega é apontado pelo Ministério Público como um dos principais responsáveis pelo crime de agiotagem da milícia de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio.
De acordo com promotores e policiais, Adriano chefiava o chamado Escritório do Crime, grupo que reúne policiais e ex-policiais que cometem homicídios em troca de dinheiro.
Conhecido como “Capitão Adriano” ou “Gordinho”, era considerado um indivíduo violento por policiais e investigadores e estava foragido havia mais de um ano. Era alvo de um mandado de prisão expedido em janeiro de 2019.
2. Desde quando Adriano era investigado?
Adriano começou a ter problemas com a Justiça desde ao menos 2003, quando um técnico de refrigeração foi morto durante uma operação policial na Cidade de Deus.
Como policiais militares, Adriano da Nóbrega e Fabrício Queiroz, que pertenciam ao mesmo batalhão, foram acusados pelo homicídio. Eles não chegaram a ser presos. Fabrício
Em janeiro de 2004, Adriano foi preso pela morte de um guardador de carros que, na véspera do assassinato, tinha denunciado um grupo de milicianos.
Em outubro de 2005, ele foi condenado pelo homicídio em júri popular, mas recorreu da sentença em 2007 e conseguiu a absolvição em novo julgamento.
Em setembro de 2008, Adriano da Nóbrega voltou a ser preso, por um atentado ao pecuarista Rogério Mesquita, inimigo de bicheiros.
Adriano também chegou a ser preso duas vezes suspeito de ligações com a máfia de caça-níqueis. Uma delas em 2011, durante a Operação Tempestade no Deserto, que mirou a cúpula do jogo do bicho.
Na época, a investigação apontou que ele era segurança de José Luiz de Barros Lopes, bicheiro conhecido como Zé Personal, morto no mesmo ano.
3. Quando Adriano foi expulso da PM?
Adriano foi expulso da PM do RJ em dezembro de 2013 por envolvimento com o jogo do bicho, mas não foi condenado por esse crime na Justiça.
4. Quando aconteceram as homenagens de Flávio Bolsonaro a Adriano?
Em outubro de 2003, na época em que era deputado estadual no Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro (hoje senador) fez a primeira homenagem ao então tenente Adriano da Nóbrega. Em uma moção de louvor, o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro destacou que o militar desenvolvia sua função com “dedicação” e “brilhantismo”.
Em junho de 2005, o deputado fez nova homenagem a Adriano, com a mais alta honraria da Alerj. O homenageado não compareceu à Assembleia para receber a Medalha Tiradentes porque estava preso.
Em outubro de 2005, quatro dias depois que Adriano foi condenado pelo homicídio em júri popular, o então deputado federal Jair Bolsonaro fez um discurso na Câmara dos Deputados em defesa de Adriano. Bolsonaro contou que compareceu ao julgamento do PM – segundo ele, um “brilhante oficial”.
5. Qual a ligação de Adriano com Fabrício Queiroz?
Além de terem trabalhado no mesmo batalhão, Adriano e Fabrício Queiroz eram amigos, segundo investigações do Ministério Público.
Fabrício, que era ex-funcionário do gabinete de Flávio Bolsonaro, indiciou a mulher e a mãe de Adriano, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães, para trabalhar no gabinete de Flávio.
Fabrício teria inclusive recebido repasses de duas pizzarias controladas por Adriano. Dois repasses vieram das empresas controladas por Adriano, de acordo com os investigadores:
- a Pizzaria Tatyara Ltda repassou R$ 45.330 mil
- o Restaurante e Pizzaria Rio Cap Ltda enviou R$ 26.920 mil
O MP suspeita que Adriano tenha sido sócio oculto dos dois restaurantes. Formalmente, o ex-policial não aparece no quadro societário das empresas. Quem aparece é a sua mãe, Raimunda.
Os promotores investigam se o saque de R$ 202 mil das contas de Danielle e Raimunda foram entregues em mãos a Fabrício Queiroz, evitando assim qualquer rastro dos repasses.
6. Qual a ligação de Adriano com o caso Marielle?
A informação sobre o envolvimento de Adriano no assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes foi repassada em nota pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia, sem detalhes.
7. Quando começaram as investigações sobre o esquema de ‘rachadinha’?
A investigação sobre as rachadinhas na Alerj começaram em dezembro de 2018. O esquema consiste em devolver parte do salário de assessores aos parlamentares.
De acordo com o Ministério Público, Adriano era um integrante da organização criminosa que agia no gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro. E recebia parte de recursos vindos da rachadinha.
Segundo as investigações, o esquema seria operado pelo amigo de Adriano dos tempos da PM, Fabrício Queiroz.
A mãe de Adriano e a ex-mulher dele receberam de R$ 1 milhão em salários, mas não apareciam para trabalhar.
8. O que é a Operação Intocáveis?
A primeira fase da Operação Intocáveis foi deflagrada em janeiro de 2019 e teve como objetivo prender acusados de integrar milícia que atuava em grilagem de terra, agiotagem e pagamento de propina em Rio das Pedras e na Muzema, duas favelas de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio.
A ação foi deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público do RJ, e teve entre os denunciados Adriano da Nóbrega.
O ex-policial era um dos três integrantes considerados chefes do grupo e o único foragido daquela operação.
9. Como e onde Adriano foi morto?
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), Adriano foi localizado e morto em um imóvel em Esplanada por equipes do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), da Companhia Independente de Policiamento Especializado (Cipe) Litoral Norte e da Superintendência de Inteligência (SI) da SSP-BA.
O imóvel é um sítio que pertence ao vereador Gilsinho da Dedé, do PSL de Esplanada.
A SSP-BA informou que, no momento do cumprimento do mandado de prisão, Adriano resistiu com disparos de arma de fogo e acabou ferido. Ele chegou a ser socorrido e levado a um hospital da região, mas não sobreviveu.
Ele foi morto por um tiro de fuzil e outro de carabina disparado por dois policiais militares da Bahia, segundo o registro de ocorrência. O exame de necropsia atestou que ele foi atingido entre o pescoço e a clavícula e no tórax.
Segundo a secretaria, os policiais apreenderam com o miliciano uma pistola austríaca calibre 9mm. Dentro do imóvel, as equipes teriam encontrado mais três armas e 13 celulares.
10. Como a polícia chegou ao miliciano?
A Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro (Sepol) informou que Adriano da Nóbrega era investigado havia um ano pelo setor de inteligência do órgão e pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado, do Ministério Público.
Ao longo desse período, os agentes monitoraram o ex-policial militar para localizá-lo.