Roberto Carlos, recentemente, completou 80 anos, sendo mais de 60 dedicados à arte. No que diz respeito a volume, quantidade, presença e popularidade, trata-se do maior artista da história do Brasil. Conforme Pedro Alexandre Sanches, “se formos falar sobre presença estética e artística, acho que estamos só engatinhando na nossa capacidade e vontade de compreender a extensão e a complexidade dele para a cultura brasileira.”
A fim de prestar a ele uma justa homenagem, trago à tona um tema que julgo como sendo bastante interessante. Faço menção à contribuição de assaz importância, mas que poucos têm conhecimento, acerca da vinda – e posterior difusão – de uma vertente musical em nosso país, cujo responsável fora Roberto Carlos. Refiro-me ao soul.
Roberto Carlos trouxe o soul para o Brasil? Confira!
Acredito que já havia música soul sendo feita no Brasil por volta de 1966. Talvez por alguns “antenados”, uma vez que ela era bem moderna nessa época, e sofria muitas transformações. Mas apenas Roberto Carlos poderia propagar esse estilo de música em escala nacional no Brasil. Tudo o que ele fazia tinha público, dava ibope, e ele precisava diversificar seus caminhos, sobretudo com a concorrência baiana e a decadência da Jovem Guarda.
Seguidamente, em 1967, veio a canção “Quando”, que ainda possuía “ecos jovem-guardistas”, mas que já continha pontuados, e um “groove” inesquecível, criado por um baixista inspirado e ensandecido… Provavelmente Paulo César Barros. Ninguém tinha como “ver a luz” naquela época, mas tínhamos, então, outro Rei: o Rei “negão”. Sim, o pioneiro número um do soul brasileiro poderia ser Tim Maia, um negro de fato, mas Tim acabara de chegar da América (e da cadeia) e não tinha tanto “trânsito” no mercado fonográfico. Quem era o homem que podia abrir caminho? Claro, Roberto Carlos.
O álbum “O inimitável”, de 1968, pode ser considerado um disco cinquenta por cento soul, e tem inúmeros clássicos do gênero, tais como “Ciúme de você”, “Eu te amo, te amo, te amo”, dentre outras. Foram, sem exceção, muito bem recebidas pelo público.
A partir daí, a “suingueira” imperou no Brasil. Outros artistas brancos, como Marcos Valle e Elis Regina, adotaram o soul e, o mais importante: artistas negros aderiram com êxito o suingue. Cito, por exemplo, Trio Esperança, Trio Ternura, Dom Salvador, e o próprio “síndico”, Tim, que gravou seus primeiros singles em 1968.
Sobre isso, conversei com o virtuoso e lendário baixista Paulo César Barros. Entre o final da década de 50 e o final da de 80, integrou a banda Renato e seus Blue Caps, fundada por ele e por seus irmãos Renato e Ed Wilson, como é de conhecimento de quase todos. Barros tocou com Roberto Carlos de 1962 a 1981. Era ele, portanto, o responsável, por intermédio de seu baixo, pela sonoridade ímpar no período em que o Rei de dedicou à soul music. O baixista discorreu acerca do pioneirismo “real” tendo em vista esta vertente. “Eu não diria que o Roberto tenha sido o pioneiro da soul music no Brasil, mas, com certeza, um deles. Eu mesmo, por influência de Wilson Pickeet, Otis Reding, The Four Tops, The Driffeters, e tantos outros, já compunha e tocava black music por ser a minha verdade musical vinda dos anos 50, quando conheci Little Richard”, expôs o exímio instrumentista.
Paulo César Barros ainda falou de uma das principais canções do período: “Não há dinheiro que pague”, do disco robertocarleano de 1968, por certo um dos mais relevantes da história da música negra nacional, do qual foi um dos diferenciais através de seu instrumento. “Foi uma verdadeira revolução nos ‘basslines’ da época. Criei uma frase cromática ascendente no meio do ‘groove’, que acho que ficou para a história como desbravadora no Brasil no baixo”, afirmou o músico.
A música “Quando”, já mencionada, é essencial para o “período negro” do Rei e que evidencia que Roberto Carlos trouxe o soul para o Brasil. Nas palavras do professor e escritor paranaense Marcel Pilatti, “canção fundamental que deu a tônica da fase soul de Roberto Carlos: abuso dos metais, do baixo. E até uma curiosidade: três anos antes de os Beatles fazerem o mitológico ‘Show no telhado’, quando da gravação de ‘Let it be’, Roberto Carlos fazia isso no filme ‘Em ritmo de aventura’. Dentre as regravações, destaque para a versão do Barão Vermelho”.
Em 1964, por exemplo, Roberto gravou “Desamarre o meu coração”, releitura “swingada” de “Unchain my heart”, de Ray Charles, o responsável pela “formatação” do soul. Ainda em 1964, além da já referida “Desamarre o meu coração”, RC mostrou o seu grande apreço pela soul music através das canções “Um leão está solto nas ruas” e “Nasci para chorar”. Em 1965, no disco denominado “Jovem Guarda”, o “Rei negão” surgiu, mesmo que sutilmente, nas músicas “Não é papo pra mim” e “Mexerico da Candinha”. Já em 1966, o soul entrou em estado de graça com a versão robertocarleana para “Negro gato”, de Getúlio Côrtes. Já em 1967 – “Roberto Carlos em ritmo de aventura” – além da já supracitada “Quando”, se notabilizaram soul rocks como “Eu sou terrível”, “Por isso corro demais”, “De que vale tudo isso” e “Você não serve pra mim”.
Por isso podemos afirmar que Roberto Carlos trouxe o soul para o Brasil.
Soul – Muitas pessoas pensam que se trate, mera e exclusivamente, de música “swingada”, “ritmada”, com temas auto-afirmativas. Não. Isso é uma parte, pendendo pro estilo “funky”. Trata-se de um universo musical, como o rock, ou o pop, ou o samba. Ou acaso é possível dizer que Metallica e Jota Quest façam a mesma música? Mas ambos fazem “rock”. Cartola e Zeca Pagodinho? Lady Gaga e Anitta? O universo soul engloba diversos elementos, a saber: na poesia, letras existencialistas (a busca do “eu” ou de algum sentido maior pra vida, decepções – amorosas ou não -, etc). No ritmo, toda uma levada pautada em metais, baixo, outros instrumentos de sopro, bateria diferenciada e tudo mais. E ainda o estilo de canto, mesclando a declamação, os “gritos”, melancolia na voz, enfim. Importante: no universo soul (que quer dizer alma, espírito), também se encaixa o estilo gospel. Diante de tudo isso, se não se identifica soul no Roberto 68-71, a culpa não é dele…
Murillo Pompermayer é jornalista há duas décadas, o colaborador é apaixonado por arte, sobretudo música e literatura, além de um aficionado pelo futebol.
Já li em algum lugar, não me lembro ao certo, que o RC tem vergonha do estilo que ele cantava naquela época, com gritos, ele comentou que achava forçada para a sua voz, por isso a mudança de estilo na forma de cantar nos anos 70. Ótima matéria, Abraço!
Pode até ser, não duvido, mas aqueles berros, aqueles gritos eram sensacionais! Que fase maravilhosa do cara! A molecada alienada sequer têm ideia da magnitude do Robertão…
RC é gigantesco!
Moldou o rock, o pop e o soul. Pouca coisa, né?
Roberto veio de guerra, expoente de nossa cultura, só que o valor que merece não se vê no dia dia, é uma tristeza muito grande!
Que cretinice! Não li e não vou ler, Tim Maia o maioral! O Perna é uma piada de mau gosto!